domingo, 11 de abril de 2010

JAM, 10-04-2010

Eu não me lembro do dia certo em que aconteceu, mas foi uma benção quando as palavras ficaram difíceis pra mim. Elas começaram a me irritar pelo pouco tamanho, pela falta de textura e volume, pela linha reta que imprimiam em tempos espirais.
Mas como conhecer o mundo pra além das letras?
Eu descobri o tato.
O sentido mais espacial de todos. E foi (ainda é) difícil me situar, minha pele, meu envelope com tudo dentro, em relação ao chão, ao teto, aos lados e aos outros envelopes de outras pessoas com todas elas dentro que eu cruzo pelo caminho.
Por essa época, comecei a dançar. Dançar apesar de tudo o que eu achava de mim, apesar do meu corpo fraturado. Agora repenso: por causa do meu corpo fraturado, por que eu queria falar a partir dele, sem defeito de comunicação.
Num primeiro momento, eu pensava que dançar era só dentro de uma sala, com uma barra, um espelho, pernas doendo de exercício. Depois tentei rolar por cima das pessoas e deixar que rolassem por cima de mim, e me dava um pânico – a tensão superficial da minha pele a deixava dura como concreto, e eu tinha justamente a resistência do concreto. Só muito mais tarde fui descobrindo que até o concreto tem suavidade, desde que eu deixe que meu corpo descubra os pontos onde é possível o amoldamento.
Agora, neste exato ponto do caminho, eu comecei a me interessar por materiais mais instáveis por natureza: corpos e danças dos outros. Vou perdendo o medo que eu tinha das crianças e de suas energias mais caóticas – ontem um grupo grande delas corria e corria em volta dos corpos rolando sobre o chão, o meu inclusive, e os usava como obstáculos sobre os quais podiam saltar, cair, pisar, rolar. Vou me achando mais nos corpos dos outros que me propõem coisas apesar da minha vergonha de encostar, apesar de eu muitas vezes não saber o que fazer nem pra onde ir quando recebo um convite.
Vou encontrando corpos que fazem o que sabem fazer, igual ao meu corpo que tem sua sabedoria intransferível e seus limites sempre móveis e aprendo com eles a ser. Mas de tudo, é dançando que percebo a minha dificuldade de receber, por puro medo do ridículo. E é dançando que eu vou exercitando o desfazer dessa dificuldade.
E falar sobre isso é difícil, mas às vezes eu tento, por que é também uma tentativa de texturizar e avolumar as palavras que eu tinha abandonado.