quarta-feira, 3 de março de 2010

Sobre ballet, esforço e sofrimento.

(para minhas amigas Sirah Badiola e Mariana Meloni)
Esforço, na Física, é um trabalho com rendimento diminuído, que causa desgaste no sistema. Portanto é burro fazer esforço. Fazer esforço resulta de não se ter consciência de como funciona determinado sistema em determinado contexto delimitado no tempo e no espaço.
Em geral, quando temos um problema para o qual não encontramos uma solução rápida, ao invés de procurarmos a resposta, acionamos uma resposta antiga, pra ver se cola, ou imitamos a resposta externa, dada pela imagem do outro– e às vezes, pra dizer que dermos conta (afinal, temos que dar conta, não é mesmo- não é isso que ouvimos da mãe, do pai, do padre, de professores meio ruins e de chefes tiranos a vida inteira?) fingimos que colou.
Mas não tem como REALMENTE colar.
Se o problema era diferente, a solução antiga só serviu como gambiarra existencial.
O sistema sempre se enfraquece na emenda – e compensamos a falta de sutileza perceptiva e de síntese criativa com esforço- o próprio esforço de fingir que a solução colou - e os esforços subseqüentes dos infinitos reparos que teremos que fazer com durepóxi nas rachaduras da nossa vida. É um paradoxo: por preguiça ou medo ou inabilidade de esperar a síntese de uma nova resposta- síntese essa que nos dá trabalho, mas um trabalho eficiente, porque usado adequadamente- causamos desgaste no sistema, por que realizamos um trabalho “mal feito”- o esforço- achando que estamos economizando as nossas peças.

Escrevo isto a propósito de uma experiência linda que eu tive hoje. Voltei à dança clássica. Todo mundo sabe o quanto sofrem as bailarinas. Toda aquela abertura, o andeor, a sapatilha apertada, a barriga pra dentro, o arco do pé levantado, varinhadas nas pernas, o abdome chupado, a bunda pra dentro. Pois bem, eu nunca levei varinhada nas pernas, mas já tive dores homéricas nos joelhos e uma retificação da cervical bem horrorosa por conta de aulas de ballet que não me permitiam construir o meu corpo, e me obrigavam, pelo esforço, a entrar numa forma pré-determinada que, diga-se de passagem, nunca ia ser a minha mesmo, por que eu tenho um metro e oitenta de altura e uma bela bunda grande.
Só que eu sempre amei a sensação das piruetas, dos saltinhos, e apesar de ter encontrado na dança contemporânea um chão fértil de exploração pras minhas sensações, me dava saudade de fazer gettés e pás dês burrés e todas aquelas coisas frescas e lindas em francês. E fazer dança clássica também sempre significou ser meio punk pra mim- rebelde, gritando o tamanho do meu corpo pra quem quisesse ouvir, e dando bordoadas mentais no primeiro professor que eu tive na infância, um escroto que gritava comigo (eu tinha seis anos) dizendo que eu era gorda e burra e desajeitada.
Então fui fazer dança clássica com minha professora muito especial, que tem influências do Klaus Vianna, mas tem toda a sabedoria dela mesma, além de uma generosidade absolutamente transformadora. E de repente eu me vi dando giros e sorrindo no meio da tarde de uma quarta-feira chuvosa, enquanto fazia piruetas e tandis e tudo o que eu sempre tinha feito com sofrimento e uma certa raiva de resistente. A alegria saia dos meus ossos que aprendiam respostas novas pra formas já conhecidas, e eu me senti sem peso, capaz de voar a partir dos meus pés ancorados no chão. Tudo isso por que me foi dado o tempo de descobrir como se mexe um esqueleto quando a gente não tenta interferir demais nele a partir do exterior.
Poder perceber-se em situação- é isso que diminui o esforço e faz com que a gente aprenda coisas. E aprender é gostoso PRA CARALHO.

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